Ser mãe é padecer no paraíso da idealização. Essa versão do famoso ditado é uma licença poética minha. E explico a razão. Ao contrário de tantas outras demandas da vida, como o escritório e a casa, por exemplo, dar à luz e educar uma criança são tarefas que não vêm com manual, embora haja uma cobrança por uma maternidade ideal, perfeita, sem sofrimentos e falhas. Você já sentiu essa angústia?

Foi por isso que adorei a entrevista da psicanalista e professora Maria Lucia Homem ao site Catraquinha. Na reportagem, a especialista mostra como a construção da ideia do “amor materno” é responsável por uma certa idealização e mercantilização da maternidade, gerando expectativas que nunca serão alcançadas. Para a psicanalista, existe um limite sutil entre colocar a reprodução humana como dádiva ou como norma. O problema, segundo ela, “é transformar algo que nos deixa boquiabertos em uma ação que todos devem cumprir”. Mais do que isso, cumprir em estado permanente de gratidão e agradecimento. “É falso”, garante.

"Não se pode negar que o corpo e a vida material estejam preparados para a reprodução. Todo mês estamos prontas. Isso existe. Mas como seres vivos e pensantes, damos sentido a isso. Entendemos e elaboramos as nossas vivências. E isso não está só relacionado a ser mãe. Nasce uma planta do pneu do carro, uma floresta tenta nascer na brecha do asfalto. Eu tento encarar como uma grande homenagem a essa dádiva que é a vida, um enigma incrível: no meio de carbono e cósmico, surgem moléculas que fazem a gente se reproduzir. O problema é idealizar e normatizar essa ideia", diz Maria Lucia.

Ao falar em normatizar essa ideia, a psicanalista lembra também como a hiperidealização da maternidade se coloca a serviço do marketing.

"É uma maquiagem: fazer lembrancinhas, colocar na porta do hospital, a marca de roupa tal, a cerimônia. Passando a festa de casamento, se inicia o chá de bebê, o batizado e outra série de rituais sociais. Essa prática é colocada dentro de um sistema de consumo. E toda a propaganda que se faz de você mesmo e da sua vida é circulável nas redes sociais", exemplifica.

Além da idealização, a psicanalista aborda, na entrevista, sobre a pressão sobre a mulher para ser mãe:

"Dizer que “não quer” é uma ofensa. Não elaboramos e nem conseguimos suportar muito bem a ideia da nossa radical liberdade e nem a do outro. Quando o outro faz o que ele quer e esse desejo é diverso do meu, é como se eu não suportasse essa decisão. Porque, de alguma maneira, coloca em cheque a minha própria decisão. No fundo, somos inseguros quanto a nós mesmos. Não sabemos se somos uma coisa ou outra, se queremos ou não".

Finalmente, Maria Lucia lembra que a maternidade não é nada mais do que uma nova relação. O que já é muito, pois uma real relação com outro ser humano é algo muito denso. Sobretudo com bebês e crianças, seres muito desconhecidos que funcionam em outro canal. 

"Para começar, o bebê não fala, ele chora. Se a comunicação cotidiana já é difícil e gera mal entendidos, pelo estrutural da linguagem, imagine a relação com outro ser que é você e, ao mesmo tempo, não é você, que saiu da sua barriga e você idealizou tanto. Não tem como não entrar em conflito. Existe uma tristeza, que pode desaguar em depressão ou surto e está relacionada com como se tornar adulto. Não é possível ser pai ou mãe sem ser adulto. A rigor, não é possível exercer a maternidade, a paternidade ou qualquer relação em torno da criança, sem elaborar o luto da nossa própria infância. É árduo e interessantíssimo. Muito complexo e, ao mesmo tempo, um desafio".

E não é mesmo?