Brincar para aprender, brincar para se desenvolver, brincar para se distrair... Por um minuto esqueça a obrigatoriedade de atribuir uma função ao brincar e entregue-se a outro conceito: o brincar por nada, o brincar apenas por brincar.
Quem inspira essa reflexão é a educadora Renata Meirelles. E eu adorei a visão dela sobre essa atividade que, como ela mesmo diz, é intrínseca à infância. O universo do brincar é objeto de estudo de Renata desde a graduação, no curso de Educação Física. Depois de viajar para a Amazônia e registrar as brincadeiras de crianças de comunidades indígenas e ribeirinhas, ela embarcou em uma experiência ainda maior na companhia do marido e documentarista David Reeks e dos dois filhos, conhecendo 14 comunidades brasileiras e suas formas de brincar. Nascia assim o Programa Territórios do Brincar, com correalização do Instituto Alana.
Para Renata, é importante desconstruir essa visão de que brincadeira está sempre atrelada à aprendizagem: "Brincar possibilita ser você mesmo aqui e agora sem que haja a necessidade de uma consequência futura. É intrínseco a infância, uma forma de acessar nossas verdades e fazer com que elas se conectem com as verdades do mundo", diz em entrevista ao portal Carta Educação, da Carta Capital.
A educadora também reforça a necessidade do silêncio, da solidão, na contramão do excesso, para que as crianças possam ter contato com elas mesmas. "Quando a criança brinca ela é verdadeiramente ela. E os benefícios disso se projetam para além da infância. Imagine se nós, adultos, pudéssemos ter contato o tempo todo com as nossas verdades e agir dentro delas? Teríamos mais facilidade de vivê-las em nosso trabalho, em nossas relações. Brincar é qualificar a existência humana", explica.
Brincar é, ainda, uma forma de acessar os sentimentos. "Quando uma criança não demonstra interesse em brincar com bonecas, por exemplo, ela está dando respostas sobre o seu ser, seus sentimentos. Então, vejo que o brincar tem que, sobretudo, possibilitar às crianças acessarem habilidades como alegria, angústia, euforia, tristeza".
E nós, mães e pais, como devemos proceder: nos envolvemos diretamente neste processo do brincar ou deixamos fluir, estimulando a autonomia dos pequenos? Para isso, Renata diz que devemos nos esforçar para perceber o momento em que devemos deixá-las resolverem sozinhas seus desafios e a hora de participar. Mas o mais importante, segundo ela, é responder ao questionamento a seguir: "Estou verdadeiramente ali? Porque as crianças querem a verdade de nós e elas sentem isso. É importante promover uma interação real, natural, sem a carga da necessidade ou da obrigação. Quando isso acontece, as crianças bebem dessa fonte. Trazem para si as referências disponíveis. E para isso não há regras. Basta oferecer a elas o que você tem de melhor, seja em jardinagem, música ou um simples chutar de bola. É estar ali, disponível, viver o presente e buscar manter-se alheio ao que está acontecendo ao redor".
Outra recomendação da educadora é deixar as crianças brincarem livremente perto da natureza. Sou entusiasta desse preceito. Sempre que posso, tento proporcionar que a Donatella possa brincar em parques, praças, manipulando a terra, a areia, explorando plantas e insetos.
E além disso, vale sempre lembrar. Para além de brinquedos, tarefas extracurriculares e milhões de estímulos, poder desfrutar de tempo, liberdade e de pequenos objetos do cotidiano para criar suas próprias brincadeiras é o melhor que podemos ofertar aos nossos filhos. A criatividade mora nesse brincar livre. Alguém duvida?