Você já deve ter ouvido o nome da Laura Patron por aí. Mãe do João Vicente e criadora da campanha Avante, Leãozinho, Laura é uma mãe especial. O pequeno João se recupera de um AVC, causado por uma síndrome rara autoimune chamada SHUa, desde 2013, e Laura vem sendo uma voz sincera e sensível sobre inclusão, medo, maternidade e, principalmente, afeto desde então.
Com um livro sobre João Vicente saindo do forno agora em novembro (71 Leões, com lançamentos em Porto Alegre, Curitiba e São Paulo), e outro sobre inclusão já encaminhado para o ano que vem, Laura ainda está nos preparativos finais para a sua primeira TED Talk. Conversamos com ela para saber mais sobre esses projetos, sobre inclusão e sobre afeto.
Primi Stili - Este texto recente - entre muitos outros que você já publicou - é uma expressão muito clara do seu projeto de virar uma porta-voz da inclusão e do afeto. Vivendo as dificuldades do dia a dia e enfrentando-as com tanta coragem como você vem fazendo, ainda há alguma mudança que você não considera possível?
Laura - Quando escrevo "mudanças possíveis" falo das que podem acontecer já. Na essência da pergunta, acredito que todas as mudanças são possíveis quando se trata de seres humanos. Somos inacabados, sempre passíveis de novas compreensões, aprendizados, saltos de mudança. Isso, claro, havendo desejo. E é esse ingrediente que falta: a vontade de mudar. Por isso, mesmo acreditando que todas as mudanças sejam viáveis, acredito também que estamos muito longe de chegar em um cenário aceitável, que dirá em um cenário ideal.
A dificuldade com a inclusão passa pelo mesma trilha da dificuldade com tudo aquilo que significa diversidade, gênero, raça, crença. É uma imensa barreira contra aquilo que é diferente, uma ilusão criada na nossa sociedade de que é possível colocar as pessoas em caixinhas pré moldadas, com certos e errados, e aí todos que não se encaixam estão fora, à margem, sofrendo preconceito, em um mundo que sustenta muitas mentiras para sustentar essas caixinhas.
A melhora da inclusão vai se dar com a melhora da sociedade frente às diversidades. Todas. A diminuição do preconceito, o aprendizado da empatia, o entendimento dessa violência como uma patologia social e não como algo normal, a reconexão do ser humano com aquilo que é essência, a coragem genuína, que vem do afeto, diante de tantos medos diários. Nossa sociedade se alimenta de medos e privilégios que ninguém quer assumir. Estamos longe ainda.
PS - O que você já pode contar sobre a sua TED Talk?
Laura - O TEDx Unisinos bateu na minha porta no momento exato, sabe? Já tinha recebido convites para falar nos últimos anos, em diferentes eventos, mas não estava pronta. Não tinha certeza do que queria dizer, se tinha algo para contribuir com o coletivo. Estava aprendendo sobre a minha própria base. Não acredito em inclusão por obrigação, por lei imposta, por multa. Isso se faz necessário pela ausência total de uma consciência natural. Aliás, odeio a palavra "inclusão", que existe apenas porque a exclusão nos assola. Eu acredito na beleza e na potência da diversidade. E de um processo de inclusão que passe pelo amor, pelo entendimento afetivo, pelo diálogo e abertura. Então agora quero falar. O ano de 2018 veio com esse desejo de ir para a rua, com as palavras escritas, que já conheço bem, e palavras faladas. E o TEDx Unisinos vai ser a primeira vez que vou soltar a voz. Uma oportunidade incrível.
O tema do evento vai ser as fronteiras, visíveis e invisíveis. É um grande norteador, que me trouxe várias ideias. Queria poder falar tudo! Os limites da medicina, o dia-a-dia com deficiência, e como nossos heróis precisam ser pessoas comuns. Mas vou precisar recortar. Vai ser algo sobre inclusão, o poder do amor, e as fronteiras transponíveis pelo desejo genuíno. O evento acontece no dia 17 de Agosto, no Teatro Unisinos – no espaço recém-inaugurado na Av. Nilo Peçanha, em Porto Alegre. Com frio na barriga, desde já.
PS - Sobre o livro que sai em novembro: é comum autores dizerem que o processo de escrever um livro é completamente diferente do de escrever um blog ou artigos. Como está sendo isso pra você?
Laura - Nossa. São quase três anos tentando escrever esse livro. Foi muito difícil. Não sei dizer como é escrever um livro de ficção, mas escrever sobre a própria vida é bastante complexo. Teve momentos que precisei me afastar por meses do material para respirar, lembrar que já passou, viver normalmente, e aí mergulhar de novo, quando já estava mais fortalecida.
A base do "71 Leões" é um diário dos setenta e um dias da primeira internação do meu filho, João Vicente, período em que descobrimos a doença raríssima e ele sofreu um grave AVC. Período que mudou a nossa vida pra sempre. Então, voltar naqueles dias, naquela dor, entrevistar as pessoas que estavam lá comigo, desenhar um mapa dos acontecimentos, foi um processo terapêutico, em primeiro lugar. Foram vômitos. Um abrir de feridas bastante intenso. Depois precisei questionar o porquê disso tudo ser publicado. E aí, entendi que tive uma forma de lidar com a dor bastante saudável, dentro do possível, e que contar isso sem enfeites poderia ajudar outras pessoas na mesma situação, e outras pessoas em situações completamente diferentes, porque no fundo, dor é dor, entende?
No fundo é sobre como atravessar medos e dores, sobre a força do amor sem clichês romantizados, a força do amor cru mesmo, como escolha. Por tudo isso, busquei contar a verdade, dividir minhas próprias contradições, meus devaneios, a minha família, tudo que estava acontecendo naquele hospital. Uma mãe nunca é só uma mãe. É uma mulher, uma filha, uma namorada, um turbilhão. Tem tristeza e alegria no mesmo corpo.
Acho que as redes sociais têm uma tendência a endeusar os personagens que nelas existem. Eu quero quebrar isso. Dizer que não existem heróis perfeitos. Que eu não nasci pra ser mãe, não é uma missão recebida, que escolho todos os dias ser uma mãe dedicada. E quase sempre é muito difícil. Quero dizer que é totalmente normal sofrer e ser feliz. Ao mesmo tempo. E talvez assim consiga aproximar as pessoas da minha experiência, bem reles mortal, e auxiliar em outros processos. Acredito muito em transformar experiências individuais em coletivas, no tanto de riqueza que tem nisso. Espero que o leitor viva a sensação de montanha-russa comigo, que ria e que chore. Que sinta a potência do amor, acima de tudo.
PS - Você está escrevendo um segundo livro, sobre inclusão, a ser publicado no ano que vem. Qual é a maior falta que você sente na literatura sobre inclusão? Tem assuntos velados, faltam pontos de vista? Qual é a lacuna que esse livro vem pra preencher?
Laura - Comecei a escrever sobre inclusão nas redes, quase sem querer. Brotou da necessidade de falar aquilo que estava sentindo, os absurdos vividos, as dificuldades, e me impressionou muito o retorno. Sou suspeita para falar, mas temos na página Avante uma comunidade muito aberta e empática, mas, ainda assim, nunca esperei a movimentação que esse assunto gerou. Passei a receber muitas e muitas mensagens, e boa parte delas são com perguntas. Perguntas simples sobre como fazer inclusão ou como não machucar ninguém no dia-a-dia, por ignorância. Foi aí que me dei conta: Tem muitas pessoas dispostas a aprender. Estamos falando pouco. Precisamos falar mais.
Faz pouco tempo que busquei uma literatura sobre inclusão, e acho que falta muita coisa. Falta principalmente lugar de fala: o protagonismo das pessoas com necessidades especiais e das mães "especiais", tão essencial para falar desse assunto. Somos os maiores especialistas em inclusão, e o mercado não tem interesse em nos escutar. Quantas escolas nos chamam para um conselho, auxiliar em um processo de mudança? Quantos palcos nos convidam?
A mudança passa, sem dúvida, por esse protagonismo nos espaços de fala. Falta falar sobre inclusão fora do papel, sobre detalhes do nosso dia, sobre afeto. Sobre como nos sentimos. Se eu, que vivo na pele, não comunico o que sinto e como gostaria que fosse, quem vai comunicar? Como os outros vão saber? Acredito que só a partir disso, podemos reeducar a sociedade. Despertar a consciência coletiva para o fato de que existimos. Amamos, brincamos, aprendemos. Somos.
A verdade é que, de forma geral, as pessoas acreditam que inclusão é uma coisa grande, que precisa ser feita a partir de grandes esferas, que está em livros chatos de leitura difícil, mas inclusão é feita nos pequenos gestos, na quebra do medo, no olhar generoso, no entendimento simples. Isso está faltando nas livrarias.
Uma escritora do RJ, a Maria Rezende, compartilhou um texto meu e escreveu: "A Lau nos chama na xinxa com amor". Acredito nisso. Todos temos responsabilidades, todos precisamos mudar. Inclusão não é favor, mas precisamos achar o caminho do desejo coletivo por mudança. Precisamos urgentemente ultrapassar as barreiras óbvias. Vejo muitos pais preocupados em como ensinar seus filhos, e eu sei como: aprendendo primeiro. É com essas pessoas que quero falar. É elas que quero trazer pra perto.