De livro novo nas prateleiras, a simpática e sensível Mirna Portella topou uma conversa com Primi Stili sobre o lançamento de Porco De Casa Cachorro É, livro que conta a história de Odorico, um menino que tinha um porco de estimação. A história abocanhou o 2º lugar no prêmio Sylvia Orthof da Biblioteca Nacional 2018, foi adotada pelo Programa Nacional do Livro Didático e faz parte da seleta biblioteca do clube Leiturinha.

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"Odorico é inspirado em todos os meninos do mundo. Que menino nunca sentiu medo? Que menino nunca sentiu medo de não ser aceito em um grupo? Que menino nunca se sentiu só? E que menino nunca quis ter um bicho de estimação? Odorico foi ter logo um porco porque essa é a história. Mas poderia ser qualquer bicho. Aliás, pode ser que o próximo seja uma vaca", ri a autora.

Mirna também falou um pouquinho sobre a sua infância no Norte do país e até sobre um episódio que viveu com Ziraldo, que fez com que ela largasse o mundo da advocacia para se tornar autora infantil full time. Confira!

A gente adora o seu histórico de escrever livros ambientados no Norte do país, ainda considerado distante e exótico por parte da população brasileira. Levar a cultura nortista, mostrar um pouquinho das belezas, da natureza e da culinária local para as crianças é realmente um trabalho encantador! Você voltou ao Acre para buscar inspiração para escrever o Porco de Casa Cachorro É ou ele é fruto das suas memórias de infância?
A inspiração para a história do Porco de casa veio da minha infância. Meu pai era médico e atendia muitas pessoas carentes, por altruísmo mesmo. Ele ia nas casas dessas pessoas, que moravam mais afastadas do centro da cidade, consultava, distribuía remédios. Às vezes me levava com ele. Era gente muito humilde, mas que costumava ter uma terrinha, um sítio ou um bom quintal onde podia criar porcos, galinhas, patos, cabritos e outros bichos. Então, quando chegava o Natal, meu pai costumava ganhar bichos como agradecimento pelos atendimentos que fazia. Foi assim que ganhamos um porco, que logo foi adotado pelo meu irmão do meio. Sim, porque era sempre uma euforia entre mim e meus irmãos: "Esse é meu!" "Não, é meu!". O porco passou a morar no jardim de inverno da minha casa. Destruiu toda a grama, fez um lamaçal. Minha mãe ficava louca. Às cinco da manhã o porco já começava a gritar. Era engraçado. Meu pai botou o nome do porco de Ximbica. Meu pai era um grande gozador. Foi daí que veio a história. Claro que foi apenas uma inspiração, porque a história do Odorico e do Curico é muito diferente. Mas a verdade é que Ximbica também era um porco de casa.

Qual é a sua memória mais gostosa dessa época de criança em Rio Branco? Ela aparece em algum dos livros?
Ah! Tenho muitas lembranças gostosas da minha infância. O Manoel de Barros uma vez escreveu que só teve infância. Pois é, eu sou que nem ele. Vivo na infância. Esse estado de espírito, essa forma de ver o mundo e de se surpreender com as coisas do mundo. Com as pequenas coisas que nos tornam grandes. Eu gosto de ser assim. Essa minha infância no Acre vive dentro de mim e é dela que vem toda a minha escrita. Guardo ainda a chuva quente dos fins de tarde, o canto das cigarras no arrebol, o barro vermelho que encardia meus pés descalços que corriam livres pelas ruas de terra ou de tijolos. Guardo o céu cheio de estrelas nas noites em que faltava luz na cidade e a gente deitava na grama do jardim para jogar conversa fora, o cheiro do jasmim que até hoje me perfuma a alma cada vez que eu o sinto em qualquer lugar do mundo. E das estripulias, claro. Eu era danada. Muito danada! Esse espírito transgressor e libertário permeia toda a minha escrita.
 
Para quem já acompanha o seu trabalho e sabe que vai encontrar muita brasilidade na sua obra, qual é a diferença do Porco de Casa Cachorro É?
Acho que quando a gente fala da nossa aldeia, acaba falando para o mundo todo. Quem foi que disse isso? Quantos disseram? Intuitivamente, acabei seguindo a máxima. Não se pode escrever sobre o que não se conhece. Nesse sentido, Odorico é qualquer menino do mundo todo. Ele está no Brasil, mas poderia estar na Argélia, na Austrália, na Rússia ou no Alasca. Menino é tudo igual.

Conta pra gente como foi esse encontro com o Ziraldo, que resultou em uma advogada virar uma grande escritora infantil?
Eita! É uma história comprida. Quando eu decidi escrever para publicar, resolvi ir atrás de um grande escritor. Mas não bastava ser grande, tinha que ser alguém por quem eu tivesse admiração. E essa admiração não podia ser só literária. Tinha que ser política, ideológica, tudo. O Ziraldo teve muita influência na minha formação leitora e também na minha escrita. Eu bebi na fonte do Ziraldo. E ele, assim como eu, também fez Direito. Um dia, soube que estaríamos numa mesma cerimônia. Não perdi a oportunidade, fui falar com ele, que me deu seu contato, mas nem me retornou e nem leu os escritos que eu havia enviado. Depois de dois meses, soube que ele estaria em um evento. Não pensei duas vezes. Botei meus escritos embaixo do braço e fui ao seu encontro. Conversamos enquanto ele caminhava até o táxi, lendo o meu texto. De repente, parou e disse uma frase que me fez gigante na certeza de ser uma escritora. Só uma pessoa muito grande, gigante mesmo, pode fazer isso com outra. Ziraldo carrega o mundo na alma.